
Prestes a
dar à luz o seu segundo filho, a manicure Ana Claudia Silva Santos, de
40 anos, viveu o último ano em um mar de incertezas. Desempregada, ela
tem um filho de 2 anos e meio e recebia o valor de R$171 proveniente do
Bolsa Família, que depois foi substituído pelo auxílio emergencial de
R$375, o qual está próximo de acabar.
Com o
valor do auxílio emergencial, a manicure tenta se virar como pode. Paga
R$200 pelo aluguel da casa onde reside há cerca de dois meses, no bairro
Jardim Cruzeiro, além dos recibos de água e luz, que juntos custam em
torno de R$100. O que sobra mal dá para comprar alimentos e para
adquirir um botijão de gás, recorrendo ao álcool para cozinhar.
“Já tenho
mais de um ano desempregada. Nessa pandemia, me mantive com a ajuda da
minha irmã e tive dificuldades para comprar alimentos. O gás, me doaram
na semana passada. Antes eu cozinhava com o álcool. Eu pegava uma tábua,
uma latinha de cerveja, cortava ao meio e botava um prego. Quando tinha
alguma coisa pra comer, eu fritava um ovo, cozinhava um feijão”,
relatou.

“Em termos
de alimentos, têm dias que tem e têm dias que não tem nada. Quando
minha irmã me ajuda ela compra pra ela e os três filhos, e ainda divide
comigo. Como eu recebi há uns dias atrás, eu cozinho um arroz com água e
sal, e às vezes minha irmã compra 10 ou 15 reais de carcaças e a gente
divide pra comer. A carne está cara e eu compro carcaças de frango, que
só vem pé, costela, pescoço, e às vezes moela”, afirmou.
Relatos
como os de Ana Claudia não representam uma realidade nova no país. No
entanto, com a crise econômica impulsionada pela pandemia, histórias
como a da manicure passaram a se multiplicar, revelando o retrato da
fome e da miséria.
“Não sobra
nada. Já tem mais de um ano eu cozinhando com o álcool, sei do perigo,
mas infelizmente sem condições e com a pandemia, não tinha como. Mas,
graças a Deus me doaram um botijão. Depois que eu parir, vou ver o que
vai acontecer. A única pessoa que me ajuda é minha irmã, mas agora ela
vai embora pra São Paulo. Ela nem sabe disso, mas cada dia que passa vou
me desesperando. Quando ela tem comida, ela divide comigo. Ela é
cabelereira e, às vezes tem, às vezes não tem.”
Ainda
segundo ela, já foi ao Centro de Abastecimento pedir doações de ossos
para engrossar o caldo da comida, mas nem sempre encontra, porque até
isso alguns comerciantes não querem mais doar.
“Eu compro
as carcaças no abatedouro, um quilo é quase R$8 e só dá para dois dias.
Não compro mais pele, porque não acha mais no açougue. Já fui até no
Centro de Abastecimento pedir doação de ossos, pra colocar no feijão pra
fortalecer mais e comer. Às vezes eu acho. Antigamente davam. Hoje em
dia, vendem por R$2 ou R$3 o quilo.”
Ossos, carcaças e peles
Há 14 anos
com um box de carnes do Centro de Abastecimento, a comerciante
Margareth dos Santos Santana, informou ao Acorda Cidade que nos últimos
meses, com a elevação nos preços dos alimentos, sobretudo a carne
vermelha e o frango, cresceu a procura por carcaças no seu
estabelecimento.
“O preço
das carcaças de frango varia entre R$3 e R$10. A de R$3 vem só a
carcaça; a de R$4, vem fígado e moela; a de R$8 vem fígado, moela e asa e
a R$10 é que vem com a coxa, tirando o peito. A procura por esse tipo
de alimento aumentou muito nos últimos dias, principalmente a de R$3.
Tudo está aumentando. E mesmo assim as pessoas reclamam, porque antes
custava R$1, e com R$10 o cliente levava 10 quilos de carcaça. Hoje com
R$10 só leva cerca de três quilos”, contou.
Margareth
dos Santos não prevê melhoria tão rápida desse cenário. A expectativa,
segundo ela, é que o preço da carne de frango deve subir ainda mais até o
final do ano. Ela avalia ainda que muitas pessoas estão passando
necessidade, e têm receio de dizer que estão comprando os ossos da
galinha para se alimentar.

O
comerciante Leilson Gomes da Silva, que também mantém um box no Centro
de Abastecimento, revelou que muitas pessoas têm chegado ao local
pedindo um pacote de osso ou peles para levar pra casa.
“A carne
que não é vendida aqui a gente bota na graxaria e quando chega gente
pedindo aqui a gente pega um pacote de osso e dá. Chega muita gente aqui
pedindo pele, um pedaço de qualquer coisa que não sirva para nada pra
se alimentar e a gente dá. Só a pele e sebo, e muita gente chega
pedindo. Outro dia chegou um menino que morava no Aviário e perguntei se
ele queria um pacote de osso, e ele pediu um pacote de pele”,
relembrou.
Segundo
Leilson Gomes, no box dele o quilo do osso custa em média R$1,70 e três
quilos saem por R$5. Já a carne que sobra e não dá mais para ser
comercializada para o consumidor, é vendida para um graxaria no campo do
Gado, onde se produz ração para cachorros.
“As
pessoas compram ossos pra botar na sopa, no feijão, só pra dar o gosto. A
carne que a gente não vende aqui, vendemos pra graxaria no campo do
gado, e eles fazem ração pra dar a cachorro e também óleo. E um quilo de
carne com osso, a gente vende por R$20”, disse.
“Tem
pessoas que são realistas e falam que é para comer, mas tem pessoas que
por vergonha dizem que é para o cachorro. Em média, eu vendo uns 30
quilos de carcaça por dia. Antes o consumidor costumava comprar 10
quilos e hoje em dia diminuiu pra 5 ou 6 quilos.”